maio.2012

Panorama de 25 anos da mortalidade por Aids no Estado de São Paulo

As estatísticas de mortalidade produzidas pela Fundação Seade, a partir das informações do registro civil, representam importante instrumento para monitorar a evolução da epidemia de Aids no Estado. Elas permitem constatar que de 1985 a 2010 o Estado de São Paulo registrou 97.494 óbitos por Aids. Os dados do Seade também mostram como evoluiu a mortalidade nesse período de 25 anos. No início da série, em 1985, a Aids provocou 73 mortes. Após crescimento exponencial, o ano de maior mortalidade foi 1995, com 7.739 casos fatais. Em seguida, o número de óbitos por Aids diminuiu rapidamente até 1998, e manteve-se em relativa estabilidade até 2010, quando se registraram 3.141 eventos fatais, menos da metade do número verificado em 1995.

No início da década de 1990, a Aids respondia por 1,5% do total de mortes de residentes no Estado de São Paulo, e passou a 3,4%, em 1995, ano de pico da mortalidade da epidemia. Já em 2010, ela foi responsável por 1,2% dos óbitos.

Essas e outras informações permitem constatar que diversos fatores têm contribuído para aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou da Aids. Entre eles, citam-se os avanços da terapia antirretroviral altamente potente (highly active antiretroviral therapy – Haart) e a distribuição universal e gratuita dos medicamentos assegurada pelo Ministério da Saúde, desde 1996, associada à extensão de ambulatórios especializados para o atendimento de pacientes com Aids, na rede de serviços instalada em diversas regiões e municípios paulistas.

De fato, os efeitos desses avanços científicos e institucionais foram fundamentais para a redução da mortalidade por Aids no país – que passou de 9,6 mortes por 100 mil habitantes, em 1996, para 6,3 por 100 mil, em 2010.1 Seus efeitos foram ainda mais importantes na Região Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo, cuja taxa de mortalidade declinou de 22,9 por 100 mil habitantes, em 1995, para 7,6 por 100 mil, em 2010 (Tabela 1).

Outro conjunto importante de informações mostra a mudança do perfil das vítimas fatais da Aids. No início da epidemia, eram predominantemente homens. Em 1985, 69 homens e apenas 4 mulheres faleceram por essa causa, numa razão entre os sexos de 17 por 1. Dez anos depois, no auge da epidemia, foram 5.850 óbitos na população masculina e 1.889 na feminina, e a razão entre os sexos correspondeu a 3 por 1. No último ano analisado, 2010, ocorreram 2.089 óbitos na população masculina e 1.052 na população feminina, com a razão entre os sexos de 2 por 1.

As informações disponíveis também permitem acompanhar o padrão etário das vítimas da epidemia. Com esse objetivo, foram elaboradas pirâmides etárias com a proporção de óbitos por Aids, em quatro períodos selecionados (Gráfico 1). Sua análise revela padrão de mortalidade mais envelhecido, que acompanha a evolução da epidemia. Revela também a crescente participação da população feminina e, para ambos os sexos, a redução da proporção de óbitos nas faixas etárias mais jovens, especialmente crianças e adolescentes, e aumento de sua ocorrência em idades mais avançadas.

Em 1990, entre os homens, o maior número de óbitos por Aids concentrou-se no grupo etário de 30 a 34 anos, ao passo que, entre as mulheres, isso se deu no grupo de 25 a 29 anos. Vinte anos depois, em 2010, houve uma defasagem de dez anos na idade de pico da mortalidade por Aids: de 40 a 44 anos, para homens, e de 35 a 39 anos, para mulheres, o que indica envelhecimento no padrão da mortalidade. É notório, também, o aumento na frequência de óbitos nos grupos de idade acima de 45 anos.

Tabela 1

Óbitos e taxas de mortalidade por Aids, segundo sexo

Estado de São Paulo – 1985-2010

Anos Óbitos Taxas de mortalidade (1)
Homens Mulheres Total Razão de sexo Homens Mulheres Total
Total 72.033 25.461 97.494 3/1
1985 69 4 73 17/1 0,5 0,0 0,3
1986 195 5 200 39/1 1,4 0,0 0,7
1987 403 31 434 13/1 2,8 0,2 1,5
1988 933 138 1.071 7/1 6,4 0,9 3,6
1989 1.429 232 1.661 6/1 9,6 1,5 5,5
1990 2.636 462 3.098 6/1 17,3 3,0 10,1
1991 3.496 722 4.218 5/1 22,5 4,5 13,4
1992 4.113 908 5.021 5/1 26,0 5,6 15,7
1993 5.163 1.270 6.433 4/1 32,1 7,7 19,7
1994 5.606 1.485 7.091 4/1 34,2 8,8 21,3
1995 5.850 1.889 7.739 3/1 35,1 11,0 22,9
1996 5.371 1.898 7.269 3/1 31,7 10,8 21,1
1997 3.983 1.553 5.536 3/1 23,1 8,7 15,8
1998 3.255 1.336 4.591 2/1 18,6 7,4 12,9
1999 3.057 1.201 4.258 3/1 17,2 6,5 11,7
2000 2.940 1.241 4.181 2/1 16,2 6,6 11,3
2001 2.752 1.210 3.962 2/1 15,0 6,3 10,6
2002 2.677 1.175 3.852 2/1 14,4 6,1 10,2
2003 2.511 1.115 3.626 2/1 13,4 5,7 9,5
2004 2.304 1.028 3.332 2/1 12,2 5,2 8,6
2005 2.351 1.134 3.485 2/1 12,3 5,7 8,9
2006 2.268 1.094 3.362 2/1 11,7 5,4 8,5
2007 2.219 1.045 3.264 2/1 11,4 5,1 8,2
2008 2.235 1.131 3.366 2/1 11,3 5,5 8,3
2009 2.128 1.102 3.230 2/1 10,7 5,3 7,9
2010 2.089 1.052 3.141 2/1 10,4 5,0 7,6
Fonte: Fundação Seade.
(1) Taxas por 100 mil habitantes.

Gráfico 1

Pirâmides etárias dos óbitos por Aids, segundo sexo

Estado de São Paulo – 1990-2010

Fonte: Fundação Seade.

Outra característica a merecer destaque é a redução do número de óbitos de crianças de 0 a 4 anos, que se deveu à implementação, desde 1996, de políticas e de procedimentos específicos para reduzir a transmissão vertical do HIV (de mãe para filho). Entre eles menciona-se o oferecimento de testagem sorológica para o HIV durante o pré-natal e/ou no momento do parto, a administração de esquemas antirretrovirais (ARV) altamente eficazes, a cesariana eletiva e a substituição do aleitamento materno por fórmula láctea, que, como mostram as estatísticas, têm contribuído para reduzir sensivelmente a incidência desses casos de Aids.

O acompanhamento do número absoluto de casos fatais de Aids, como se fez até aqui, é relevante, por se tratar de uma epidemia que apresentou comportamento alarmante, notadamente na primeira década de seu surgimento. Entretanto, indicadores relativos, como a taxa de mortalidade (relação entre o número de óbitos e o total da população) são mais adequados para avaliar quão intensa tem sido a mortalidade por esta causa e para realizar comparações entre diferentes áreas geográficas.

O Gráfico 2 apresenta as taxas de mortalidade por Aids, segundo sexo, entre 1985 e 2010, reforçando a inversão de tendência comentada anteriormente. Ademais, o Gráfico 2 mostra que, apesar das diferenças entre os níveis de mortalidade de homens e mulheres, a evolução de suas respectivas taxas tem sido semelhante.

Em 1988, a taxa de mortalidade por Aids, na população masculina, foi de 6,4 óbitos por 100 mil homens. Até 1990, essa taxa cresceu quase três vezes, atingindo o patamar de 17,3 por 100 mil. No ano de pico, 1995, ela dobrou em relação a 1990, alcançando o maior valor da série: 35,1 óbitos por 100 mil. Com sua intensa redução a partir daí, a taxa de mortalidade, em 2000, chegou a 16,2 óbitos por 100 mil, inferior, portanto, à verificada no início da década de 1990. Desde então, esse indicador vem diminuindo mais lentamente, de modo que, em 2010, seu valor foi de 10,4 óbitos por 100 mil homens.

Na população feminina, a taxa de mortalidade por Aids em 1988 foi de um óbito para cada 100 mil mulheres e, tal como a masculina, cresceu três vezes até 1990, quando chegou a 3,0 por 100 mil. No ano de pico, 1995, esta taxa correspondeu a aproximadamente quatro vezes mais do que a do início da década, e alcançou 11,0 óbitos por 100 mil mulheres. Desde então, essa taxa vem se reduzindo, de forma intensa até 2000 – quando chegou a 6,6 óbitos por 100 mil mulheres – e bem mais lenta nos últimos dez anos, atingindo o valor de 5,0 óbitos para cada 100 mil mulheres, em 2010.

Outra abordagem que as estatísticas permitem é a da análise da posição da Aids entre as principais causas de morte da população residente no Estado de São Paulo. Sob essa perspectiva, verificou-se que, em 1996, foi ela a principal causa de morte das mulheres de 25 a 34 anos e a segunda causa, para aquelas de 35 a 44 anos. Para os homens nessas duas faixas etárias, a Aids foi a segunda causa de morte naquele ano, superada apenas pelo grupo das agressões.

Gráfico 2

Taxas de mortalidade por Aids, segundo sexo

Estado de São Paulo – 1985-2010

Fonte: Fundação Seade.

Tabela 2

Posição dos óbitos por Aids entre os óbitos gerais, por sexo, segundo faixa etária

Estado de São Paulo – 1996-2010

Faixa etária Homens Mulheres
1996 2010 1996 2010
Total 16º 18º
< 13 anos 11º 22º 10º 20º
13 a 24 anos 10º
25 a 34 anos
35 a 44 anos
45 a 54 anos 10º 10º
55 anos e + 33º 32º 43º 40º
Fonte: Fundação Seade.
Nota: Segundo a Lista Condensada de Morte da Classificação Internacional de Doenças da OMS.

Em 2010, a Aids já não ocupava a primeira posição em nenhum dos grupos etários da população paulista. Apenas para as mulheres a doença ainda aparecia como a segunda causa de morte nas faixas de 25 a 34 anos e de 35 a 44 anos, sendo superada pelos acidentes de transporte, no primeiro grupo etário, e pelas doenças cerebrovasculares, no segundo.

Tendo em vista a Aids entre as demais causas de morte, por sexo e idade (Tabela 2), mais uma vez evidencia-se o processo de envelhecimento da mortalidade por essa doença. Nos grupos mais jovens ela perdeu muitas posições entre 1996 e 2010: na população masculina menor de 13 anos de idade, era a 11ª causa de morte mais relevante e passou para a 22ª posição; na população feminina dessa faixa etária, foi da 10ª para a 20ª posição. Para o grupo de 13 a 24 anos, a Aids era a quarta causa de morte e passou a ser a sétima entre os homens; entre as mulheres, era a terceira e passou a ser a décima. Nos grupos populacionais com mais de 25 anos, as mudanças de posição foram menores ou, em alguns casos, nem ocorreram.

Apesar dos avanços na prevenção e no tratamento da Aids, ela continua ocupando posição de destaque como causa de morte na faixa etária de 25 a 44 anos, em especial entre as mulheres. Na população feminina desta faixa etária, a Aids respondeu por 8% dos óbitos em 2010.

Diante desse panorama da evolução da mortalidade por Aids, notam-se os indiscutíveis avanços na prevenção e no tratamento dessa doença nos últimos 25 anos, no Estado de São Paulo. Porém, mesmo com tais avanços, a Aids continua entre as principais causas de morte de adultos jovens, notadamente mulheres, o que indica a necessidade de manter e intensificar os esforços. Por fim, as estatísticas revelam que, com o atual cenário de redução ou estabilização da mortalidade por Aids no Estado de São Paulo e com o envelhecimento de seu padrão de mortalidade, cresce o número de pessoas vivendo com a doença por muitos anos, o que requer estratégias de atendimento e acompanhamento dessa população, visando seu bem-estar.

Nota
1. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais/SVS/MS. Boletim Epidemiológico – Aids e DST, 2011. Versão preliminar dos dados epidemiológicos acumulados até junho de 2011.

 

Nota: No site do Seade, no endereço abaixo, é possível acessar o sistema de consulta da base de dados contendo o número de óbitos e a taxa de mortalidade por Aids, para todos os municípios, regiões e total do Estado, em série histórica desde 1985.
www.seade.gov.br/produtos/imp/index.php?page=consulta&action=var_list&aba=tabela2&busca=obitos+por+AIDS

 

 

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