janeiro.2020

O que mostram os registros de óbito de 2018? Tendências e padrões demográficos no Estado de São Paulo

 

Resumo: O artigo analisa tendências e padrões da mortalidade por idade, sexo e causas de morte, a partir das estatísticas de óbito produzidas pela Fundação Seade.

As estatísticas do Registro Civil indicam um total de 297,8 mil óbitos de residentes no Estado de São Paulo, consolidando crescimento contínuo ao longo do tempo, apesar da intensa queda das taxas de mortalidade.

Metade das mortes corresponde a pessoas com mais de 70 anos, seguindo tendência de concentração em idades cada vez mais elevadas. A comparação com 1950 mostra que nessa época tal fração era alcançada aos 15 anos de idade.

No triênio 2016/2018, quatro grupos de causas de morte se destacam em termos percentuais: doenças do aparelho circulatório (29%), neoplasias (18%), doenças do aparelho respiratório (14%) e causas externas (7%). Estas quatro causas respondem por 68% de todas as mortes ocorridas nesse período.

A comparação dessas principais causas com 1999/2001 mostra forte redução nas mortes por causas externas, devido principalmente ao decréscimo da mortalidade por agressões e acidentes de trânsito. Também observou-se melhora na tendência das doenças do aparelho circulatório.

As projeções da população do Estado indicam que haverá crescimento e maior concentração populacional em idades cada vez mais avançadas, elevando a idade média da população de 35,7 anos em 2018, para 44,1 anos em 2050.

No mesmo período, a proporção de óbitos de pessoas com 60 anos e mais avançará de 72% para 89%, e a de pessoas com 85 anos e mais passará de 20% para 32%, no final da projeção. Por outro lado, a proporção de óbitos de crianças menores de um ano cairá de 2%, em 2018, para 0,5% até 2050.

As tendências delineadas no trabalho caracterizam o processo de consolidação de perfil etário mais amadurecido na população paulista, associado a níveis mais elevados de sobrevivência, fornecendo informações relevantes para a definição e a adequação de políticas públicas em áreas como saúde, segurança e assistência social.

PALAVRAS-CHAVE: óbitos; mortalidade; causas de morte; estrutura etária, envelhecimento da população; projeção.

Tendências históricas

Em 2018 as estatísticas do Registro Civil indicam que ocorreram 297,8 mil óbitos de residentes no Estado de São Paulo. Isso representa 3,7 mil óbitos a mais do que em 2017; 60,1 mil a mais em relação a 2000; e 187,0 mil a mais do que em 1950. O volume crescente de óbitos relaciona-se diretamente com a evolução populacional, apesar da intensa queda observada nas taxas de mortalidade do Estado desde meados do século XX.

Enquanto a população paulista cresceu 4,8 vezes entre 1950 e 2018, o aumento no volume de óbitos foi de 2,7 vezes, o que demonstra o forte impacto da redução dos riscos de morte no período.

Outra característica marcante é a tendência de concentração dos óbitos em idades cada vez mais elevadas. Atualmente, metade dos casos ocorre entre pessoas com mais de 70 anos, enquanto em 1950 essa fração era alcançada aos 15 anos de idade.

Observa-se que 72% das mortes ocorridas em 2018 eram de pessoas com 60 anos e mais de idade, enquanto 20% correspondiam a idosos com mais de 85 anos. Essa composição é muito distinta do que ocorria no passado. Em 1950, por exemplo, somente 22% das mortes eram de pessoas com 60 anos e mais, e aquelas com mais de 85 anos representavam apenas 3% do total de mortes. Destaca-se que 32% dos óbitos eram de crianças menores de um ano, ao passo que em 2018 essa proporção caiu para 2%.

O volume crescente de óbitos de residentes, ocorrido ano a ano entre 1950 e 2018, pode ser visualizado no Gráfico 1. Foram considerados quatro grupos etários: menores de um ano, de 1 a 59 anos, de 60 a 84 anos, e 85 anos ou mais. Representou-se, também, a tendência decrescente das taxas padronizadas1 de mortalidade observadas em cada década.

Verifica-se que as mortes vão ocorrendo em idades cada vez mais avançadas, alterando profundamente a composição etária de seu conjunto ao longo do tempo. À medida que as mortes precoces são evitadas a mortalidade declina, concentrando-se entre os mais idosos. A forte queda da mortalidade infantil ocorrida no Estado é o exemplo mais expressivo dessa tendência.

Gráfico 1 – Óbitos, segundo grupos etários, e taxa de mortalidade padronizada (1)

Estado de São Paulo – 1950-2018

Fonte: Fundação Seade.
(1) Taxa padronizada considerando-se a população observada no Estado em 1980 como padrão.

Por outro lado, as transformações na estrutura etária da população paulista, causadas principalmente pela diminuição dos níveis da fecundidade, delinearam novo perfil populacional e influenciaram de forma contundente a composição dos óbitos por idade.

A população e os óbitos por idade

O período de transformação mais intenso da distribuição etária da população do Estado de São Paulo ocorreu entre 1980 e 2018. Neste período a população quase duplicou, mas as taxas anuais de crescimento declinaram de 1,9%, entre 1980 e 2000, para 0,96%, entre 2000 e 2018.

A queda da fecundidade provocou a retração do número de nascimentos e, consequentemente, dos contingentes mais jovens da população. Por outro lado, a população relativamente mais velha continuou crescendo ao ritmo das gerações anteriores a esse fenômeno, favorecida pelos progressos na esperança de vida. Esse mecanismo demográfico alterou profundamente a estrutura etária populacional, fazendo com que a idade média da população passasse de 26,1 anos, em 1980, para 30,2 anos em 2000 e 35,7 anos em 2018.

No Gráfico 2, que mostra a evolução do volume populacional detalhado por idade e sexo, é possível melhor visualizar essas mudanças.

Gráfico 2 – Volume da população, por sexo e idade

Estado de São Paulo – 1980-2018

Fonte: Fundação Seade; IBGE.

Como consequência, observa-se que as mutações na composição etária da população paulista, ocorridas nas últimas décadas, se refletiram diretamente na distribuição etária dos óbitos.

Destaca-se a intensidade do declínio dos óbitos entre crianças com menos de um ano de idade, que passaram de 36.802, em 1980, para 6.483, em 2018. Essa variação é devida, fundamentalmente, a dois fatores demográficos que atuam na mesma direção: o acentuado decréscimo da mortalidade infantil e a redução do número de nascimentos desde o início dos anos 1980. A queda da mortalidade infantil deu-se principalmente pela diminuição das doenças infecciosas e parasitárias, passando a predominar as causas perinatais e as malformações congênitas.

Observa-se, também, que a idade de 50 anos representa um divisor importante na tendência da distribuição etária dos óbitos entre 2000 e 2018. O número de mortes de pessoas acima dessa idade aumentou, respectivamente, de 162.167 para 250.330, enquanto entre aquelas com idade inferior diminuiu de 75.557 para 47.506, no período.

Por outro lado, cabe assinalar que a população paulista com 50 anos e mais cresceu 85% em 18 anos, ao passo que a de menos de 50 anos aumentou somente 5%. Essa dinâmica populacional desigual, associada à forte retração da mortalidade nas faixas etárias mais jovens, resultou no menor volume de óbitos de pessoas com menos de 50 anos de idade. Em contrapartida, o maior peso populacional na faixa de 50 anos e mais foi dominante na balança, apesar da tendência decrescente dos índices de mortalidade.

Fica evidente, portanto, que o incremento no número total de óbitos (60,1 mil), entre 2000 e 2018, foi devido à expansão das mortes acima de 50 anos.

Vale lembrar que os processos de envelhecimento populacional, que se traduzem na elevação da proporção de pessoas idosas em relação ao total da população, induzem o crescimento do número de óbitos mesmo diante do declínio contínuo dos riscos de morte em todas as faixas etárias.

A representação detalhada dos óbitos por idade e sexo no período analisado, no Gráfico 3, ressalta as alterações ocorridas no perfil das distribuições.

Gráfico 3 – Distribuição dos óbitos, por sexo e idade

Estado de São Paulo – 1980-2018

Fonte: Fundação Seade.
Nota: O número de óbitos de menores de um ano, para 1980, não está representado no gráfico por uma questão de escala e corresponde a 21.058 óbitos masculinos e 15.795 femininos.

Outra constatação importante é a ocorrência de mudanças relevantes nos óbitos entre os homens de 15 a 49 anos. Em 2000, as mortes nessa faixa etária representavam 32% de todos as mortes masculinas, mas em 2018 passaram a responder por apenas 17%. Essa evolução deve-se principalmente ao declínio das taxas de mortalidade por causas externas, que incidem fortemente nessas idades da população masculina. Por esse ângulo, a identificação das principais causas de morte contribui para a melhor qualificação e compreensão das mudanças observadas.

Composição das causas de morte

Na análise das causas de morte foram considerados os capítulos da Classificação Internacional de Doenças da 10a Revisão (CID-10). Para minimizar possíveis oscilações aleatórias nesses eventos, trabalhou-se com a média dos óbitos de três anos, comparando-se dois triênios: 2016/2018 e 1999/2001.

No primeiro triênio, 2016/2018, quatro grupos de causas se destacam em termos porcentuais: doenças do aparelho circulatório (29%), neoplasias (18%), doenças do aparelho respiratório (14%) e causas externas (7%). Estas quatro causas responderam por 68% de todas as mortes ocorridas no Estado.

Também no triênio 1999/2001, essas mesmas causas aparecem como as mais frequentes, todavia com mudança na ordem: doenças do aparelho circulatório (31%), neoplasias (15%), causas externas (14%) e doenças do aparelho respiratório (11%). Somadas elas representaram 71% do total de óbitos.

A comparação realizada entre as principais causas de morte mostra o pronunciado declínio das proporções de causas externas, sendo a única com retração no número absoluto de casos (35%). As mudanças nas outras três foram menos intensas, indicando menor fração de doenças do aparelho circulatório e aumento de neoplasias e doenças do aparelho respiratório.

Evidentemente, a comparação entre proporções pode sofrer interferência das mudanças ocorridas na composição etária da população, que passa a se concentrar em idades mais avançadas. Por esse motivo, considerou-se também nessa análise a elaboração de taxas específicas para a população idosa.

Nesse período, as taxas de mortalidade por causas de morte, entre as pessoas de 60 anos e mais, indicam redução de risco em três causas: doenças do aparelho circulatório (de 16,13 para 10,97 óbitos por mil); neoplasias (de 6,91 para 6,20 óbitos por mil); e doenças do aparelho respiratório (de 5,51 para 5,47 óbitos por mil). Já as causas externas avançaram de 1,06 para 1,12 óbitos por mil, o que está diretamente associado à maior frequência de quedas/acidentes entre idosos. A evolução favorável entre as doenças do aparelho circulatório é a variação mais expressiva nesse grupo etário e reflete tendência mundial diante de inovações terapêuticas e cirúrgicas, além de mudanças positivas nos padrões alimentares e na prática de exercícios físicos.

Gráfico 4 – Distribuição dos óbitos, por sexo e idade, segundo principais causas

Fonte: Fundação Seade.

Como já ressaltado, chama atenção a forte redução das mortes por causas externas, principalmente entre jovens adultos. Com o intuito de focar estritamente nas alterações ocorridas nesse contingente etário, tratou-se separadamente a composição dos óbitos por essas causas.

No intervalo entre 1980 e 2000, fica evidente a grande expansão das mortes masculinas por causas externas em quase todas as idades acima de 15 anos, destacando-se a faixa entre 15 e 50 anos em que isso aconteceu com maior intensidade. Para as mulheres o fenômeno se reproduz em menor escala.

Já no período 2000-2018, o movimento se inverte e ocorre forte decréscimo entre os homens, voltando a limites próximos de 1980. Tal progresso é devido, em grande parte, ao recuo das taxas de mortalidade por agressões e acidentes de trânsito, da ordem de 75% e 20%, respectivamente.

No caso dos acidentes de trânsito, contribuíram para a redução das taxas de mortalidade o Código Nacional de Trânsito de 1998, a manutenção e melhoria das rodovias e vias, a fiscalização reforçada por parte dos órgãos federais, estaduais e municipais, a maior segurança dos veículos, a vistoria mais rígida dos veículos e o fortalecimento da segurança para pedestres e motociclistas.

No contexto das mortes por agressões, as políticas públicas envolvendo controle de armas, modernização de equipamentos e integração de áreas policiais são fatores relevantes para os progressos observados. Também vale destacar outros elementos relacionados ao processo de desenvolvimento socioeconômico, mais especificamente na esfera das políticas voltadas para inclusão social, redistribuição de renda e manutenção do emprego em patamares elevados. As séries estatísticas apontam que as maiores reduções nos riscos dessas mortes foram registradas no período de 2000 a 2010.

Em contrapartida, houve aumento de mortes por causas externas na população idosa, tanto masculina quanto feminina, causadas por acidentes, sendo mais frequentes as quedas e os atropelamentos. Esses fatos voltam a sinalizar para a necessidade de cuidados e prevenções de acidentes que ocorrem em casa (escadas, banheiros, etc.) e nas ruas, de adaptação de equipamentos urbanos (degraus baixos, tempo dos semáforos, etc.), além de sinalização e proteção contra atropelamentos.

O perfil da distribuição dos óbitos por causas externas, segundo idade e sexo, é apresentado no Gráfico 5.

Gráfico 5 – Distribuição dos óbitos por causas externas, por sexo e idade

Estado de São Paulo – 1980-2018

Fonte: Fundação Seade.

Considerações finais

A tendência das estatísticas de óbito, analisada em conjunto com as projeções populacionais até 2050 elaboradas pela Fundação Seade, contribui para uma sinalização prospectiva da dinâmica demográfica do Estado de São Paulo.

As projeções indicam que a população residente no Estado passará de 44,0 milhões, em 2018, para 47,2 milhões, em 2050, o que representa acréscimo de 3,2 milhões de habitantes no período. Esse crescimento será acompanhado pela elevação da idade média da população paulista, que passará de 35,7 para 44,1 anos, nesse período.

No último período da projeção (2045-2050), o número médio anual de óbitos alcançará o patamar de 512,8 mil, o que representa incremento de 72% em relação ao registrado em 2018. A proporção de óbitos de pessoas com 60 anos e mais passará de 72%, em 2018, para 89%, no final da projeção, e a de 85 anos e mais avançará de 20% para 32%. Como analisado neste estudo, essa evolução está diretamente associada à crescente concentração da população em idades mais avançadas e à perspectiva de evolução positiva da esperança de vida.

Por outro lado, a continuidade da queda da fecundidade e da mortalidade infantil no futuro reproduzirá o movimento decrescente da proporção de óbitos de crianças menores de um ano, que diminuirá de 2,2%, em 2018, para 0,45%, até 2050.

Essas tendências fazem parte do processo de consolidação de um perfil etário mais amadurecido da população paulista, associado a níveis mais elevados de sobrevivência.

A análise e o monitoramento das transformações demográficas no estado de São Paulo fornecem informações importantes para a definição e a adequação de políticas públicas em áreas como saúde, segurança, assistência social, entre outras.

Referências bibliográficas

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Notas
1. A padronização de taxas de mortalidade é um recurso metodológico utilizado para controlar os efeitos de diferentes estruturas etárias nas comparações temporais ou geográficas.

 

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