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Fundação Seade amplia o potencial de análise de dados essenciais para o planejamento local de combate à mortalidade infantil
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A taxa de mortalidade infantil na RMSP foi de 11,6 óbitos por mil nascidos vivos, em 2012, mas persistem diferenciais intraurbanos, com importantes concentrações de ocorrências de óbitos infantis em áreas urbanas específicas.
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O peso ao nascer e o número de consultas de pré-natal são fatores relevantes relacionados à ocorrência de óbitos infantis.
Nas últimas décadas, observou-se importante redução na mortalidade infantil na Região Metropolitana de São Paulo, que passou de 28,3 óbitos por mil nascidos vivos em 1992 para 11,6 em 2012. Essa queda expressiva – aproximando a região dos padrões observados em países desenvolvidos significa também que, progressivamente, o Estado terá mais dificuldades em obter avanços adicionais nesse indicador, sobretudo porque as mortes associadas a doenças transmissíveis e de veiculação hídrica já se reduziram de modo muito relevante.
Nesse contexto, os processos de redução da mortalidade passam a depender de ferramentas muito mais precisas de observação, em busca da identificação dos locais da malha metropolitana que – por qualquer razão – apresentem concentrações espaciais do fenômeno muito discrepantes da média da metrópole. Tais locais, tecnicamente denominados de hot spots, podem ser objeto de intervenções mais localizadas e precisas por parte dos gestores públicos, contribuindo adicionalmente para o avanço desse importante indicador de condições de vida.
O novo procedimento, introduzido na produção das Estatísticas do Registro Civil realizada pela Fundação Seade, vem responder exatamente a essa demanda e amplia o potencial de análise de dados essenciais para o planejamento local. Trata-se da localização geográfica de cada evento vital registrado, com a utilização de técnicas de geoprocessamento das informações sobre os endereços de residência na definição dos distritos da capital.
Já é uma tradição secular, no Estado de São Paulo, a classificação das informações produzidas sobre população, nascimentos e óbitos, segundo municípios e distritos da capital. Entretanto, cada vez é maior a necessidade de conhecer o detalhamento para áreas menores, como setores censitários ou localização individualizada, relevantes para o desenho de políticas de intervenção pontuais, que se direcionem ao equacionamento de situações microlocalizadas, não necessariamente observáveis em análises realizadas para unidades territoriais mais agregadas.
Nesse sentido, este estudo traz novo olhar sobre os óbitos de crianças cujas mães eram residentes na Região Metropolitana de São Paulo. Nos últimos anos, apesar da mortalidade infantil ter diminuído acentuadamente nesta área, como também no conjunto do Estado de São Paulo, ainda permanecem diferenças importantes entre os vários estratos populacionais.
O estudo se inicia com a localização dos óbitos infantis como pontos nos mapas, apresentados a seguir. Em 2012, foram registrados 3.676 óbitos infantis na RMSP, sendo 1.992 na capital e 1.684 nos demais municípios. Utilizando-se a base de logradouros do Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cebrap) e complementando-a com buscas realizadas no Google Maps, foi possível alocar, com exatidão, a grande maioria dos eventos da capital (1.897casos, ou 95,2%) e uma proporção ligeiramente menor nos demais municípios da RMSP (1.511 casos, ou 89,7%). Vale lembrar que esse tipo de procedimento pode ser afetado pela qualidade das bases de logradouros existentes, que usualmente são menos precisas nas áreas onde a ocupação urbana tem características informais. De todo modo, os porcentuais de óbitos infantis localizados foram elevados, o que permite avaliações relevantes da distribuição geográfica desse fenômeno.
Utilizou-se, também neste estudo, a vinculação dos registros da base de óbitos infantis com os registros presentes na base de nascidos vivos correspondentes. Este procedimento é essencial para ampliar a consistência das informações produzidas e possibilitar a incorporação de variáveis melhor preenchidas na base de nascidos vivos. Como exemplo destacam-se as variáveis: número de consultas de pré-natal e peso ao nascer, muito importantes para o conhecimento de fatores que interferem na ocorrência das mortes infantis.
Mapas de óbitos infantis
Como mencionado acima, foram georreferenciadas as mortes de crianças com menos de um ano de vida, cujas mães residiam na Região Metropolitana de São Paulo. Os dois primeiros mapas apresentam os dados dos óbitos infantis desagregados em dois grupos: óbitos neonatais precoces (crianças com menos de uma semana de vida) e pós-neonatais (crianças com 28 dias ou mais e menos de um ano). Além de representarem importante parcela das mortes infantis, tal desagregação foi escolhida porque os fatores associados à sua ocorrência são muito específicos.
Os óbitos neonatais precoces representam 50% do total dos óbitos infantis, sendo que as causas perinatais e as malformações congênitas respondem por 99,2% deles. Já aqueles ocorridos no período pós-neonatal representam 30% dos óbitos infantis e têm as malformações congênitas como a mais importante causa de morte (26,9%), seguidas das doenças do aparelho respiratório (15,7%) e das infecciosas e parasitárias (14,3%).
Este quadro implica diferentes medidas para diminui-las. As ações para reduzir a mortalidade neonatal precoce referem-se a cuidados durante o pré-natal, o parto e logo após o nascimento. Já aquelas necessárias no pós-neonatal incluem, além destas mesmas medidas, ações voltadas ao saneamento básico, aos cuidados oferecidos no âmbito do sistema de atenção básica, alguns tratamentos mais especializados e à prevenção de acidentes. Em outras palavras: o primeiro grupo demanda políticas específicas no campo da atenção à saúde materno-infantil, enquanto o segundo inclui também outras dimensões das políticas urbanas, em especial nas áreas de saneamento e urbanização.
Observam-se duas concentrações mais importantes de óbitos neonatais precoces apresentadas no Mapa 1, que acontecem nas extremidades do município de São Paulo. A primeira corresponde a distritos da zona norte da capital e a segunda no sudoeste da região, englobando parte da capital e do município de Taboão da Serra. Na zona leste, há duas concentrações menores que as anteriores, ambas pertencentes à capital.
A análise de superfície apresentada acima, baseada na chamada Densidade de Kernel (ver anexo), oferece uma descrição das zonas com maior probabilidade de ocorrência de óbitos neonatais precoces, por unidade de área. Podemos observar elevado grau de concentração espacial do fenômeno (nas cores amarelo e vermelho) em espaços muito específicos da metrópole, como no entorno dos distritos da Brasilândia, Jardim Ângela e Grajaú, por exemplo. Analogamente, em alguns distritos centrais do município – mesmo entre aqueles com alta densidade demográfica como Moema – a incidência de óbitos desse tipo é muito baixa. Essas duas áreas de maior concentração de óbitos podem ser observadas no detalhamento do Mapa 1.
Mapa 1
Densidade de Kernel dos óbitos neonatais precoces
Região Metropolitana de São Paulo – 2012
Fonte: Fundação Seade.
Nota: Os pequenos aglomerados (em detalhe) são setores censitários subnormais.
O Mapa 2, por sua vez, mostra que para os óbitos do período pós-neonatal há apenas uma concentração mais importante, localizada mais uma vez no sudoeste da RMSP e somente dentro da área territorial da capital. Observa-se uma segunda concentração bem menor na parte norte da capital, sendo que na maior parte da região os pontos aparecem dispersos.
Essa repetição da concentração nas regiões Sudoeste e Norte da RMSP mostra uma soma de carências na área, que demandam atenção especial nos programas governamentais. Nesses locais, aspectos da política de saúde se sobrepõem às condições habitacionais mais precárias, produzindo clara relação entre os dois indicadores considerados acima. Vale inclusive notar que no caso da concentração sudoeste os limites municipais são ultrapassados, indicando que em áreas metropolitanas esse tipo de concentração de ocorrências não necessariamente respeita as fronteiras locais.
Mapa 2
Densidade de Kernel dos óbitos pós-neonatal
Região Metropolitana de São Paulo – 2012
Fonte: Fundação Seade.
Grosso modo, concentrações dessa natureza tendem a ser explicadas pelas dificuldades associadas à promoção da oferta de serviços públicos e à urbanização de loteamentos clandestinos e favelas, mais comuns nos aglomerados localizados nos extremos urbanos – usualmente áreas de ocupação mais recente. Nessas áreas, as políticas sociais estão menos presentes por diferentes razões, incluindo as dificuldades do processo de regularização fundiária, que precisa envolver diferentes instâncias da administração direta e do judiciário.
No restante da Região Metropolitana de São Paulo, constata-se a ocorrência de concentrações mais dispersas, localizadas nas partes mais extremas da capital, onde o atendimento e a disponibilidade de recursos de saúde geralmente são mais escassos e o saneamento básico é mais precário.
Número de consultas ao pré-natal e baixo peso ao nascer
Diversos estudos mostram que a taxa de mortalidade das crianças que nasceram com peso inferior a 1.500 gramas é mais de dez vezes superior à mortalidade daquelas nascidas com peso entre 2.500 e 4.000 gramas. O desafio, portanto, é detectar os fatores que estão levando as crianças a nascerem com peso tão baixo, aumentando de forma expressiva seu risco de morte. Como se sabe, para remediar esse tipo de situação, torna-se necessário aperfeiçoar constantemente o sistema de atendimento ao pré-natal, de modo a antecipar e corrigir diversos problemas durante a gestação.
Neste sentido, outros dois mapas foram elaborados com variáveis altamente relacionadas às mortes infantis: o número de consultas frequentadas pelas mães no período pré-natal e o peso da criança ao nascer igual ou inferior a 1.500 gramas (Mapas 3 e 4).
A distribuição espacial dos óbitos infantis relativos às mães que frequentaram menos de quatro consultas de pré-natal (Mapa 3), considerado um número insuficiente para o bom desenvolvimento da gestação, acompanha os dois padrões apresentados anteriormente, mostrando claramente associação entre esta variável e a ocorrência de mortes de crianças com menos de um ano de idade.
Mapa 3
Densidade de Kernel dos óbitos infantis de mães que frequentaram menos de 4 consultas de pré-natal
Região Metropolitana de São Paulo – 2012
Fonte: Fundação Seade.
Mapa 4
Densidade de Kernel dos óbitos infantis de crianças nascidas com menos de 1.500g
Região Metropolitana de São Paulo – 2012
Fonte: Fundação Seade.
A segunda variável analisada, peso ao nascer, está também muito relacionada à ocorrência das mortes infantis. Segundo as estatísticas do Seade, em 2012, 47% das crianças que morreram com menos de um ano de idade tinham peso igual ou inferior a 1.500 gramas.
Observam-se no Mapa 4, mais uma vez, três concentrações importantes dos óbitos de crianças com baixíssimo peso ao nascer, muito semelhante à configuração dos óbitos neonatais precoces (Mapa 1). Ou seja, a primeira na zona leste, seguida da norte e da sudoeste da RMSP. Há ainda uma quarta concentração, menor, nos distritos na parte sul da capital e outras secundárias no oeste da região. Assim, ficam detectadas as principais concentrações de crianças que nasceram na categoria considerada de peso muito baixo, dando pistas importantes de locais que poderiam ser objeto de ação mais focada por parte das autoridades públicas.
A análise das concentrações observadas nos dois mapas relativos ao número insuficiente de consultas frequentadas pelas mães no período pré-natal e ao baixíssimo peso de crianças ao nascer, indica que ambos fatores são muito associados e revela padrões análogos de distribuição espacial.
Finalmente, ressalta-se também que todos os mapas mostram padrões de associação coincidentes às localizações dos aglomerados subnormais, identificados no Censo de 2010 e que “englobam os diversos tipos de assentamentos irregulares existentes no país, como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros”.1
Por exemplo, pode-se observar claramente uma importante aglomeração de setores subnormais em Brasilândia e em Jardim Ângela, destacando-se visualmente nessa cartografia (Mapa 1, em destaque) e indicando a existência de forte associação espacial entre esse tipo de local de moradia e a ocorrência de óbitos infantis. Constata-se, assim, que áreas de maior concentração de óbitos infantis são também aquelas onde é forte a presença desse tipo de aglomerado que, não por acaso, concentram maiores proporções de domicílios precários e sem saneamento. Em outras palavras, muito embora a mortalidade infantil tenha diminuído consideravelmente nos últimos anos, o componente social e o relacionado ao tipo de urbanização permanecem importantes para a sua compreensão.
Considerações finais
Apesar de os dados aqui apresentados não poderem ser traduzidos em taxas, em função das dificuldades de georreferenciamento e outros aspectos técnicos envolvidos, os mapas apresentados nesse estudo explicitam, de modo eloquente, os padrões de ocorrência de óbitos infantis altamente concentrados espacialmente na RMSP. E, nesse sentido, mostram o grande potencial que este novo procedimento adotado na produção das estatísticas do registro civil do Seade representa para o planejamento da ação local de políticas públicas em escala intraurbana, como saúde e habitação.
De fato, ao se detectarem as áreas de maior concentração de óbitos infantis e suas características, torna-se possível implementar medidas de natureza local para alterar esta configuração, sem necessariamente rever os rumos de determinada política pública em todas as regiões da metrópole.
No caso das mortes infantis isso ficou claro, apontando áreas que demandam maior atenção. De fato, apenas a atuação especial nessas áreas, por parte dos governos locais, será capaz de dar continuidade, nos próximos anos, à tendência de queda da mortalidade infantil observada na Região Metropolitana até aqui. As famílias residentes nas áreas com maiores concentrações de óbitos infantis merecem atenção especial, pois necessitam de melhor atendimento não apenas durante a gestação e o parto, mas também no período seguinte. O acúmulo de problemas sociais e as dificuldades relacionadas ao saneamento e habitação também se sobrepõem, uma vez que as concentrações são muito semelhantes nos quatro mapas apresentados.
O desenvolvimento tecnológico dos últimos anos facilitou muito essa tarefa, com o desenvolvimento de equipamentos e de recursos cartográficos e de logradouros para cada município. Esse potencial não se restringe apenas ao estudo da mortalidade infantil, mas a todas as informações de morbidade e mortalidade, possibilitando melhorar a qualidade de vida das populações.
O esforço crescente da Fundação Seade na área de georreferenciamento e o acesso a mapas de logradouro mais precisos permitirão informações de natureza espacial detalhadas, permitindo aos governos locais intervenções cada vez mais precisas e voltadas para áreas específicas.
Anexo metodológico
Para a identificação de padrões de concentração espacial dos pontos, neste caso, os óbitos infantis, segundo o local de residência da vítima, foi aplicada a técnica de Kernel. O método, não paramétrico, faz a estimativa alisada da intensidade local dos eventos sobre a área estudada, resultando numa “superfície de risco” para sua ocorrência (BAILEY; GATRELL, 1995).
Sua função é dada por:
Onde k( ) é a função ponderada; τ é a largura da banda (bandwidth), fator de alisamento; S é o centro da área; Si é o local do ponto; n é o número de pontos (óbitos); e λτ(s) é o valor estimado (BAILEY; GATRELL, 1995).
Figura 1
Esquema básico do método de Kernel de avaliação de densidade de pontos em uma superfície
Fonte: BAILEY, T.C.; GATRELL, A.C. Interactive spatial data analysis. Essex: Longman Scientific, 1995.
A determinação da banda (raio) depende dos objetivos da análise e das características dos eventos. Quando o raio é muito grande, a suavização resulta em padrão homogêneo por toda a superfície considerada e, quando muito pequeno, não há suavização de fato. A determinação da “banda” foi feita por método interativo, até que o resultado gerasse um mapa considerado adequado para a identificação clara de áreas de concentração dos óbitos infantis. A banda considerada nas análises finais foi de 2,5 km.
No caso da técnica de Kernel, além de auxiliar na análise sobre as relações dos diversos tipos de óbitos com os espaços urbanos, o uso deste instrumento também evita a identificação da residência dos falecidos (ou de outro evento), aspecto ético que deve ser considerado em estudos que alcançam tal detalhamento. No caso dos dados pontuais, a escala e o tamanho dos pontos foram definidos de tal forma que não possibilite a identificação do local exato da residência do evento. Os softwares utilizados para a elaboração dos mapas e dos cálculos de estatística espacial foi o Terra View (versão 4.2.2).