maio.2017

Mortalidade por Aids: informações para o monitoramento

RESUMO: A análise da mortalidade por Aids, realizada para o período 1985-2015 com informações do Registro Civil do Estado de São Paulo, esboça as tendências, caracteriza as populações atingidas e auxilia na compreensão dos fatores que levam as pessoas ao óbito, além de mostrar as vulnerabilidades dos grupos para fins de ações e prevenções.

A tendência da mortalidade no Estado mostra evolução decrescente a partir de 1995, de modo que, em 2015, as taxas são 3,8 vezes menores para a população com Aids. Os homens continuam liderando nesse indicador, apesar de as diferenças terem se reduzido. Vislumbra-se um panorama de envelhecimento da população vitimada por essa doença, ampliando a idade média dos indivíduos que morreram, em 2015, para 45 anos entre os homens e 46 anos entre as mulheres. Os solteiros são maioria, concentrando 66,5% dos óbitos masculinos por Aids e 56,6% dos femininos.

PALAVRAS-CHAVE: Aids, mortalidade, vigilância.

 

A epidemia de Aids teve início na década de 1980, atingindo em sua maioria homens. No Estado de São Paulo, as taxas de mortalidade por Aids registraram o pico em 1995, com 35,1 óbitos por 100 mil homens, 11,0 por 100 mil mulheres e 22,9 por 100 mil habitantes de ambos os sexos. A partir de então, observa-se declínio da mortalidade, em função da introdução, em 1996, de antirretrovirais altamente potentes (“coquetel”) no tratamento dos pacientes.

Em 2015, ano do último indicador estimado pela Fundação Seade, as taxas de mortalidade por Aids correspondiam a 8,4 óbitos por 100 mil homens, 3,7 por 100 mil mulheres e 6,0 por 100 mil habitantes, ficando estabilizadas em patamares próximos daqueles verificados no início da epidemia.

Outro fator importante que contribuiu para o maior controle da epidemia foi o constante monitoramento da doença, que possibilita conhecer a população afetada e proporciona ferramentas para melhorar o planejamento, a prevenção e a avaliação das ações propostas para esse controle.

Nesse estudo, pretende-se descrever o cenário delineado pelos dados de mortalidade por Aids, coletados a partir do Registro Civil do Estado de São Paulo e processados na Fundação Seade, analisando e comparando as informações no decorrer do período entre 1985 e 2015.

O Gráfico 1 mostra a tendência da mortalidade por Aids no Estado de São Paulo, apontando os diferenciais existentes entre as taxas segundo o sexo, em que fica evidente o maior risco para os homens, durante todo o período analisado.

 

Gráfico 1

Taxas de mortalidade por Aids, segundo sexo
Estado de São Paulo – 1985-2015

Fonte: Fundação Seade.

A busca por aprofundamento sobre essa epidemia, que surgiu de forma assustadora, levou duas instituições públicas paulistas a firmar importante parceria para unir esforços e otimizar os resultados da aplicação dos recursos disponíveis, tanto de pessoal quanto de produção de bases de dados, visando a construção de referencial consistente para melhor compreender a evolução da doença e avaliar adequadamente as medidas tomadas para sua redução.

A Fundação Seade, órgão ligado à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, e o Programa Estadual de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, da Secretaria de Estado da Saúde, estão unidos nessa busca desde 1997, quando se envolveram em projeto para levantar e acompanhar todos os casos de Aids ocorridos no Estado de São Paulo, desde seu aparecimento em 1980 até os dias atuais. Essas instituições elaboraram e alimentam continuamente a Base Integrada Paulista de Aids – BIP-Aids, resultante do relacionamento dos sistemas de informação produzidos, respectivamente, por cada uma delas: Sistema de Mortalidade com dados originários do Registro Civil; e Sistema de Informação de Agravos de Notificação de Aids – Sinan-Aids/SP.

Os resultados desse trabalho têm reforçado a importância da integração de informações contidas nas referidas bases de dados. A vinculação entre os casos notificados e os fatais de Aids contribui para dimensionar mais corretamente o número de eventos associados à doença, ampliar o potencial de análise e de cruzamento de variáveis, conhecer os diferenciais regionais por sexo, idade, categoria de exposição e local de residência, estimar indicadores de letalidade e sobrevida, conhecer as causas de morte associadas a essa doença e avaliar o número de pessoas hoje vivendo com Aids, o que só é possível com a integração sistemática realizada por esta parceria.

De maneira geral, a tendência dos últimos 20 anos da epidemia no Estado reflete os fatores que influenciaram na magnitude da prevalência, tais como: queda da incidência, por meio do aprimoramento dos programas de prevenção primária; introdução de terapêuticas mais eficazes, que melhoraram as condições clínicas dos pacientes, sem, contudo, promover a sua cura; e redução da mortalidade por meio de programas de prevenção secundária, que vêm melhorando a efetividade da assistência.

A análise das taxas de mortalidade por Aids segundo grupos de idade permite visualizar as mudanças ocorridas ao longo do tempo. Para a população masculina, observa-se que a faixa etária de 30 a 34 anos registrou as maiores taxas de mortalidade: 45,8 óbitos por 100 mil homens, em 1990, com o pico (100,6) alcançado em 1995, decrescendo, a partir de então, e chegando em 2000 a 45,6 por 100 mil. Acentua-se o avanço da idade dos óbitos por Aids, uma vez que, em 2005, a maior taxa observada pertencia ao grupo de 35 a 39 anos (36,1 por 100 mil), passando para o de 40 a 44 anos (31,9), em 2010, e para o de 45 a 49 anos (20,7), em 2015, um aumento de cinco anos nas idades a cada cinco anos. A queda nas taxas, iniciada depois de 1995, ocorreu com maior intensidade e de forma mais acelerada nas idades até 50 anos.

Analisando as informações para a população feminina, que apresenta taxas de mortalidade por Aids quatro vezes menores que as dos homens, notam-se os picos em idades mais jovens, com as maiores taxas observadas no grupo etário de 25 a 29 anos: 7,2 óbitos por 100 mil mulheres, em 1990, aumentando em 1995 para 27,4 por 100 mil. Em 2000, com a queda na mortalidade, a maior taxa (16,8) foi registrada no grupo de 30 a 34 anos. Na sequência decrescente, evidencia-se o padrão de envelhecimento: em 2005 e 2010, o pico ocorreu na faixa etária de 35 a 39 anos (15,2 e 12,6 óbitos por 100 mil mulheres respectivamente), enquanto em 2015, assim como na mortalidade da população masculina, a maior taxa (10,1 por 100 mil) foi registrada no grupo de 45 a 49 anos.

O Gráfico 2 descreve a evolução das taxas de mortalidade por Aids, por sexo e faixas etárias quinquenais, apontando os diferenciais existentes e a relevante redução que foi se tornando realidade, no Estado de São Paulo, a partir de 1995. Os anos de ascensão das taxas de mortalidade foram representados por barras e os de decréscimo por linhas, buscando a melhor ilustração das tendências.

Ao longo do período 1990-2015, nota-se, para ambos os sexos, que as maiores reduções da mortalidade se deram, principalmente, nas idades infantis, entre os jovens e os adultos jovens. Políticas e procedimentos específicos para reduzir a transmissão vertical, que é a passagem do HIV da mãe para o filho, foram implementados, também desde 1996, tendo sido responsáveis pela relevante queda de casos de Aids registrados em crianças vítimas dessa forma de transmissão. Entre as principais ações, destacam-se o oferecimento de testagem sorológica para o HIV durante o pré-natal e no momento do parto, a administração de esquemas antirretrovirais altamente potentes para gestantes, a cesariana eletiva, a profilaxia com antirretrovirais para o recém-nascido e a substituição do leite materno por fórmula láctea.

Apesar de ser uma doença infecciosa, atualmente a Aids vem apresentando caráter crônico e a crescente sobrevida tem contribuído para o aparecimento de problemas de saúde decorrentes do envelhecimento dos pacientes, da exposição prolongada à terapia antirretroviral, ou ainda de fatores de risco presentes na população em geral.

Gráfico 2

Taxas de mortalidade por Aids, por sexo, segundo faixas etárias
Estado de São Paulo – 1990-2015

Fonte: Fundação Seade.
Nota: Os eixos correspondentes às taxas não estão na mesma escala nos dois gráficos devido à diferença de grandeza entre os sexos. Tal opção visou possibilitar melhor visualização das informações.

Esse cenário de envelhecimento pode ser constatado no aumento da idade média entre os indivíduos que morreram por Aids. Em 1990, esse indicador era de 33 anos para os homens e de 29 anos para as mulheres, registrando um acréscimo bem expressivo, em 2015, quando a idade média ao morrer de Aids passou para 45 e 46 anos, respectivamente, com as mulheres superando o indicador masculino. Verifica-se, assim, um comportamento mais próximo ao da mortalidade total da população residente no Estado de São Paulo em 2015, em que a idade média ao morrer é menor entre os homens (62 anos), do que entre as mulheres (68 anos).

O Gráfico 3 mostra o aumento gradativo registrado na idade média dos indivíduos que faleceram em consequência da Aids entre 1990 e 2015, no Estado de São Paulo.

Gráfico 3

Idade média ao morrer por Aids, segundo sexo
Estado de São Paulo – 1990-2015

Fonte: Fundação Seade.

Outro fator que se destaca ao longo dos anos estudados, reforçando a maior sobrevida das pessoas contaminadas pelo vírus HIV, é o aumento da ocorrência de registros de óbitos com causa básica diferente de Aids, ou seja, pessoas que morreram sem que a Aids fosse identificada como a causa básica da morte, apesar de essa doença ser mencionada como causa associada entre as causas presentes na declaração de óbito. Em 2015, foram registrados 2.573 óbitos por Aids, sendo que em 328 (12,7%) a menção de Aids aparece somente entre as causas associadas.

Tem sido notado aumento crescente de doenças consideradas não relacionadas diretamente à Aids, como as cardiovasculares, neoplasias, diabetes mellitus, doenças do aparelho digestivo e geniturinário, entre outras que atingem o conjunto da população em faixas etárias mais avançadas. Como parâmetro de comparação, verifica-se que, em 1995 e 1996, anos de maior ocorrência de óbitos da epidemia, eram poucos os registros com informação de Aids presente somente entre as causas associadas, não chegando a 0,5% do total de óbitos por Aids (31 registros de 7.739, em 1995, e 27 de 7.269 óbitos, em 1996).

O melhor conhecimento e dimensionamento dos eventos fatais de Aids, associados diretamente ou não à doença, contribui para ampliar o potencial de análise deste cenário em que ela está inserida, com a incorporação de novas tecnologias de diagnóstico e tratamento, além de subsidiar políticas públicas mais adequadas.

Elemento que auxilia no estudo da população atingida pela mortalidade por Aids é a análise do estado civil desses indivíduos. Avaliando os dados de 1995 e 2015, nota-se que o grupo dos solteiros continua com maior proporção das ocorrências, em ambos os sexos, esboçando uma discreta queda nesse período (de 68,0% para 66,5%, entre os homens, e de 58,7% para 56,6%, entre as mulheres). Em seguida aparecem os casados, que registraram um decréscimo mais expressivo entre 1995 e 2015, passando de 24,4% para 18,6% dos óbitos da população masculina e de 22,3% para 15,4% dos óbitos da população feminina. Quanto aos viúvos, observou-se pequena redução na participação entre as mulheres, enquanto para os homens as proporções se mantiveram praticamente iguais, esboçando apenas um pequeno incremento em 2015. Os maiores aumentos ocorreram nas proporções registradas para o conjunto dos separados, no qual são incluídas as pessoas divorciadas, desquitadas ou separadas judicialmente. Em 1995 esse grupo representava 3,4% dos óbitos entre homens e 4,5% entre as mulheres, passando para, respectivamente, 10,1% e 14,7% em 2015.

O Gráfico 4 ilustra a distribuição dos indivíduos que morreram de Aids em 1995 e 2015, segundo o estado civil, indicando as mudanças ocorridas e os diferenciais por sexo.

Calculando-se a taxa de mortalidade por Aids, a partir da distribuição da população por estado civil da PNAD de 1995 e de 2015, e aplicando essa mesma distribuição na população estimada da Fundação Seade, observa-se como ocorreu o processo decrescente para todos os grupos. A maior queda correspondeu ao grupo de homens solteiros: entre 1995 e 2015, a taxa passou de 101,3 para 15,2 óbitos por 100 mil solteiros, um decréscimo de 85%. Para as mulheres a maior retração (81%) também foi observada para as solteiras, cuja taxa diminuiu de 34,1 para 6,5 óbitos por 100 mil solteiras, no mesmo período.

Quando analisado o comportamento da mortalidade por Aids, segundo estado civil dentro do mesmo ano, verifica-se que, em 1995, as taxas para solteiros eram as mais elevadas, tanto para homens como para mulheres, enquanto as dos casados, também para os dois sexos, eram as menores.

Gráfico 4

Distribuição dos óbitos por Aids, por sexo, segundo estado civil
Estado de São Paulo – 1995-2015

Fonte: Fundação Seade.

Já em 2015 destaca-se o grupo dos separados, tanto para homens (17,6 óbitos por 100 mil separados) como para as mulheres (7,6 óbitos por 100 mil separadas), mostrando um comportamento diferenciado desse grupo que supera os solteiros e viúvos. Os casados em 2015 permaneceram com as menores taxas.

 

Tabela 1

Óbitos e taxas de mortalidade por aids, por sexo, segundo estado civil
Estado de São Paulo – 1995-2015

Estado civil Óbitos

Taxas de mortalidade
(1)

Homens Mulheres Homens Mulheres
1995 2015 1995 2015 1995 2015 1995 2015
Total 5.850 1.750 1.889 823 49,9 10,5 15,3 4,6
Solteiro(a) 3.977 1.164 1.108 466 101,3 15,2 34,1 6,5
Casado(a) 1.426 326 421 127 20,1 4,3 6,0 1,7
Viúvo(a) 127 49 237 97 63,5 12,1 20,6 5,2
Separado(a) 199 177 85 121 38,8 17,6 8,5 7,6
Ignorado 121 34 38 12
Fonte: Fundação Seade.
(1) Por 100 mil habitantes maiores de 15 anos.

Houve época em que se acreditava em grupos de risco para a doença, porém, concluiu-se que a postura da segurança individual deve ser o foco, independente de idade, sexo ou estado civil da pessoa. As informações auxiliam muito para direcionar os estudos e planejamentos, indicando as populações mais vulneráveis, mas os riscos estão presentes para todo universo, evidenciando a necessidade de campanhas que alertem o público em geral para a importância da prática do sexo seguro e cuidados no uso de agulhas.

A conscientização das pessoas é primordial, assim como as fontes de informação de vigilância são fundamentais para subsidiarem as políticas públicas de HIV/Aids e medidas de prevenção, tratamento e controle deste agravo, permitindo contar com indicadores adequados e atualizados para monitorar continuamente a Aids no nosso Estado.

Informações confiáveis possibilitam um bom planejamento, subsidiam políticas públicas mais adequadas, orientam para prevenção e são instrumentos de avaliação das ações e propostas desenvolvidas. Assim ocorreu com a epidemia de Aids no Estado de São Paulo, com ações rápidas e bem monitoradas, trabalhos conjuntos entre entidades públicas e sociedade civil organizada, somando esforços e contribuindo para o controle desse agravo. O empenho e rotinas dessa trajetória devem estar sempre ativos e motivados ao avanço na erradicação da Aids.

 

Referências Bibliográficas

CRT-DST/AIDS; FUNDAÇÃO SEADE. Dados para repensar a Aids no Estado de São Paulo: resultados da parceria entre Programa Estadual DST/Aids e Fundação Seade. São Paulo, 2010.

DOMINGUES, C. S. B.; WALDMAN, E. S. Causes of death among people living with AIDS in the pre-and post-HAART eras in the city of São Paulo, Brazil. PLoS One, v. 9, n. 12, 2014. Doi: 10.1371/journal.pone.0114661.

DOURADO, I.; VERAS, M.; BARREIRA, D.; BRITO, A. M. Tendências da epidemia de Aids no Brasil após a terapia anti-retroviral. Revista de Saúde Pública, v. 40, supl., p. 9-17, 2006.

FUNDAÇÃO SEADE. Sistema de Estatísticas Vitais. Disponível em: <www.seade.gov.br>.

MORAIS, L. C. C. et al. A construção e o tratamento da Base Integrada Paulista de Aids. In: XVII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS.

Anais… Caxambu, MG: Abep, 2010.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Saúde. CRT–DST/Aids-CVE. Boletim Epidemiológico, ano XVI, n. 3, nov. 1998.

________. Boletim Epidemiológico, ano XXIV, n. 1, dez. 2007.

________. Boletim Epidemiológico, ano XXV, n. 1, dez. 2008.

________. Boletim Epidemiológico, ano XXVI, n. 1, dez. 2009.

________. Boletim Epidemiológico, ano XXIX, n. 1, 2012.

________. Boletim Epidemiológico, ano XXX, n. 1, 2013.

SILVA, M. H.; GALANO, E. Revelação do diagnóstico do HIV para crianças e adolescentes. In: CENTRO DE REFERÊNCIA E TREINAMENTO DST/AIDS. Guia de referências técnicas e programáticas para eliminação da transmissão vertical do HIV. São Paulo, 2014. p. 63.

SILVA, M. H. A transição de adolescentes com HIV/AIDS para a clínica de adultos. In: CENTRO DE REFERÊNCIA E TREINAMENTO DST/AIDS. Guia de referências técnicas e programáticas para eliminação da transmissão vertical do HIV. São Paulo, 2014. p. 67-69.

WALDMAN, E. A. Usos da vigilância e da monitorização em saúde pública. Iesus, v. VII, n. 3, jul./set. 1998.

WALDVOGEL, B. C. et al. Pesquisa pioneira recupera casos de Aids no Estado de São Paulo: integração das bases do Sinan-Aids e do Seade. Boletim Epidemiológico, n. 1, out. 2004.

_________. A vida com a Aids no Estado de São Paulo: informação e desafios para a política pública de saúde. Primeira Análise, n. 24, mar. 2015.

WALDVOGEL, B. C.; TEIXEIRA, M. L. P. Mortalidade por Aids no Estado: redução continua desde 1996. SP Demográfico, ano 5, n. 13, nov. 2004.

 

 

 

Compartilhe